Para ler e refletir
A IMPLOSÃO PARTIDÁRIA
Poucos o pressentem ainda, mas estamos na concha de uma vaga que pode trazer muitas e assinaláveis surpresas nos próximos tempos.
Por isso, nesta "rentrée", e na perspectiva do que se poderá passar até ao Outono de 2009, gostaria de destacar três aspectos, que me parecem dos mais decisivos: as ameaças que pairam sobre o sistema partidário, que ficaram claras com as eleições intercalares de Lisboa; a tensão entre expectativas e impasses que marcam a acção governativa, e que podem afectar o actual ciclo reformista; e a necessidade de dar forma a um novo impulso estratégico, que robusteça o ânimo e o rumo do Governo e do País.
Tudo isto num contexto internacional que, pelos sinais que têm vindo a acentuar- -se nos tempos, vai exigir muito dos portugueses.
Comecemos pela situação partidária; nos próximos dias abordaremos os outros dois temas.
Os partidos estão mesmo mal
É certo que é fácil criticar os partidos - mas é imperioso reconhecer que isso acontece porque eles estão mesmo mal! Com uma indiferença que talvez encontre justificação no lastro salazarista que fez dos partidos uma variante do "mal absoluto", temos assistido quase sem reagir à sua contínua degradação, processo de que as intercalares de Lisboa foram uma triste confirmação.
Da gigantesca abstenção até aos valores obtidos pelos "dissidentes", da desmotivação dos cidadãos até à fragmentação dos eleitos, tudo veio ajudar a empurrar o descrédito partidário para limiares que podem ser verdadeiramente implosivos.
Porque a implosão está perto: ela apenas depende do agravamento de dois factores: por um lado, da ilusão que os independentes podem representar de um modo mais genuíno a sociedade civil na vida democrática. E, por outro lado, do bloqueador vazio que se vive no interior dos partidos, que se tornaram cada vez mais em organizações de eleitos sobretudo preocupados com a eleição seguinte.
Claro que nesta situação - e tendo por pano de fundo uma crise da representação política de matriz civilizacional - os equívocos se multiplicam com facilidade. E o dos chamados "independentes" pode na verdade ter consequências muito negativas para a vitalidade da democracia.
Dissidentes de ocasião
Trata-se com efeito de um equívoco, e por várias razões: desde logo, porque quem temos visto a disputar eleições (trate-se de Isaltino ou de Valentim, de Roseta ou de Carmona), não são independentes, mas meros dissidentes de ocasião, que só as circunstâncias obrigaram a mudar de rótulo.
E depois porque, com este contrabando de designação, se iludem dois factos incontornáveis: é que nem estes independentes são emanações mais autênticas da sociedade, nem se encontra no mundo um só exemplo de democracia que funcione com base em independentes. Isso simplesmente não existe, por muito que tal custe à nossa tão atrevida ignorância!...
Portugal está assim, três décadas depois do 25 de Abril, refém de uma poderosa tenaz política, entalado entre partidos profundamente esclerosados e uns ocasionais ímpetos independentistas, sem verdadeira coerência ou consistência.
É pois urgente agir para melhorar a nossa democracia, e só há uma via: a de requalificar os próprios partidos, fazendo deles organizações mais pluralistas, mais transparentes e mais informais. Em suma, mais atractivas para quem se queira dedicar (em exclusivo ou em paralelo com as suas carreiras profissionais) à vida pública.
Olhemos, para se perceber mais facilmente o que quero dizer, para os recentes Governos de Gordon Brown ou de Sarkozy - ou, mais atrás, de Zapatero ou de Angela Merkel. O que se vê nesses Governos são quadros partidários, com qualidade e experiência, que dão garantia de competência nas (naturalmente sempre controversas) funções que ocupam. E o que, nestas circunstâncias, a sociedade civil, os independentes e os movimentos de cidadãos fazem, é somar competitivamente ideias e debates, projectos e desafios aos partidos, não é pretender substituí-los.
Assumir o que se receita
A situação exige assim que os partidos portugueses - e nomeadamente o PS, como maior partido português - encetem uma profunda transformação, se não querem que cada eleição os torne ainda mais frágeis, acossados entre o descrédito público, o ressentimento activo de alguns dissidentes e as ilusões de outros tantos independentes.
Ameaça que, no caso dos grandes partidos, os poderá condenar à gestão de maiorias relativas cada vez mais impotentes. Hipótese que se reforçará se - na linha de tantos sinais! - os movimentos que estão em gestação "à esquerda" do PS e "à direita" do PSD, vierem a disputar as próximas eleições, em 2009. Para já não falar do novo "partido de Belém", ideia recentemente defendida por Villaverde Cabral e a fazer o seu caminho.
A reconquista da credibilidade dos partidos e dos políticos passa hoje por uma porta estreita, que é a da coerência com que praticam aquilo que proclamam. O PS, talvez porque chegou inesperadamente ao poder em 2005, tem-se socorrido sobretudo de uma cultura, digamos, tecno- -ministerial. Mas o que ele agora precisa é de assumir a receita que prescreve para o país: ou seja, de se reformar a si próprio, dando esse exemplo e esse sinal ao País.
Reformar-se, combatendo o conformismo e valorizando internamente a criatividade, a competitividade e a audácia, com um objectivo nuclear: o de aumentar tanto o seu enraizamento popular como a sua capacidade de atracção das elites.
Reformar-se, dinamizando um - pelo menos um! - think-tank de referência e diversos blogs temáticos que promovam o conhecimento sério e estimulem o debate aberto e regular dos problemas do país e do mundo, criando para o efeito estruturas leves, dinâmicas, descentralizadas, lusófonas e internacionais.
Reformar-se, revigorando os seus principais valores diferenciadores, sejam eles a marca ideológica de partido da igualdade ou o seu património histórico de partido da liberdade.
Afirmei há uns anos que corríamos o risco de entrar no séc. XXI com um partido talhado nos moldes do séc. XIX. Foi, infelizmente, o que aconteceu. É isso que está na hora de mudar.
Manuel Maria Carrilho, DN
Poucos o pressentem ainda, mas estamos na concha de uma vaga que pode trazer muitas e assinaláveis surpresas nos próximos tempos.
Por isso, nesta "rentrée", e na perspectiva do que se poderá passar até ao Outono de 2009, gostaria de destacar três aspectos, que me parecem dos mais decisivos: as ameaças que pairam sobre o sistema partidário, que ficaram claras com as eleições intercalares de Lisboa; a tensão entre expectativas e impasses que marcam a acção governativa, e que podem afectar o actual ciclo reformista; e a necessidade de dar forma a um novo impulso estratégico, que robusteça o ânimo e o rumo do Governo e do País.
Tudo isto num contexto internacional que, pelos sinais que têm vindo a acentuar- -se nos tempos, vai exigir muito dos portugueses.
Comecemos pela situação partidária; nos próximos dias abordaremos os outros dois temas.
Os partidos estão mesmo mal
É certo que é fácil criticar os partidos - mas é imperioso reconhecer que isso acontece porque eles estão mesmo mal! Com uma indiferença que talvez encontre justificação no lastro salazarista que fez dos partidos uma variante do "mal absoluto", temos assistido quase sem reagir à sua contínua degradação, processo de que as intercalares de Lisboa foram uma triste confirmação.
Da gigantesca abstenção até aos valores obtidos pelos "dissidentes", da desmotivação dos cidadãos até à fragmentação dos eleitos, tudo veio ajudar a empurrar o descrédito partidário para limiares que podem ser verdadeiramente implosivos.
Porque a implosão está perto: ela apenas depende do agravamento de dois factores: por um lado, da ilusão que os independentes podem representar de um modo mais genuíno a sociedade civil na vida democrática. E, por outro lado, do bloqueador vazio que se vive no interior dos partidos, que se tornaram cada vez mais em organizações de eleitos sobretudo preocupados com a eleição seguinte.
Claro que nesta situação - e tendo por pano de fundo uma crise da representação política de matriz civilizacional - os equívocos se multiplicam com facilidade. E o dos chamados "independentes" pode na verdade ter consequências muito negativas para a vitalidade da democracia.
Dissidentes de ocasião
Trata-se com efeito de um equívoco, e por várias razões: desde logo, porque quem temos visto a disputar eleições (trate-se de Isaltino ou de Valentim, de Roseta ou de Carmona), não são independentes, mas meros dissidentes de ocasião, que só as circunstâncias obrigaram a mudar de rótulo.
E depois porque, com este contrabando de designação, se iludem dois factos incontornáveis: é que nem estes independentes são emanações mais autênticas da sociedade, nem se encontra no mundo um só exemplo de democracia que funcione com base em independentes. Isso simplesmente não existe, por muito que tal custe à nossa tão atrevida ignorância!...
Portugal está assim, três décadas depois do 25 de Abril, refém de uma poderosa tenaz política, entalado entre partidos profundamente esclerosados e uns ocasionais ímpetos independentistas, sem verdadeira coerência ou consistência.
É pois urgente agir para melhorar a nossa democracia, e só há uma via: a de requalificar os próprios partidos, fazendo deles organizações mais pluralistas, mais transparentes e mais informais. Em suma, mais atractivas para quem se queira dedicar (em exclusivo ou em paralelo com as suas carreiras profissionais) à vida pública.
Olhemos, para se perceber mais facilmente o que quero dizer, para os recentes Governos de Gordon Brown ou de Sarkozy - ou, mais atrás, de Zapatero ou de Angela Merkel. O que se vê nesses Governos são quadros partidários, com qualidade e experiência, que dão garantia de competência nas (naturalmente sempre controversas) funções que ocupam. E o que, nestas circunstâncias, a sociedade civil, os independentes e os movimentos de cidadãos fazem, é somar competitivamente ideias e debates, projectos e desafios aos partidos, não é pretender substituí-los.
Assumir o que se receita
A situação exige assim que os partidos portugueses - e nomeadamente o PS, como maior partido português - encetem uma profunda transformação, se não querem que cada eleição os torne ainda mais frágeis, acossados entre o descrédito público, o ressentimento activo de alguns dissidentes e as ilusões de outros tantos independentes.
Ameaça que, no caso dos grandes partidos, os poderá condenar à gestão de maiorias relativas cada vez mais impotentes. Hipótese que se reforçará se - na linha de tantos sinais! - os movimentos que estão em gestação "à esquerda" do PS e "à direita" do PSD, vierem a disputar as próximas eleições, em 2009. Para já não falar do novo "partido de Belém", ideia recentemente defendida por Villaverde Cabral e a fazer o seu caminho.
A reconquista da credibilidade dos partidos e dos políticos passa hoje por uma porta estreita, que é a da coerência com que praticam aquilo que proclamam. O PS, talvez porque chegou inesperadamente ao poder em 2005, tem-se socorrido sobretudo de uma cultura, digamos, tecno- -ministerial. Mas o que ele agora precisa é de assumir a receita que prescreve para o país: ou seja, de se reformar a si próprio, dando esse exemplo e esse sinal ao País.
Reformar-se, combatendo o conformismo e valorizando internamente a criatividade, a competitividade e a audácia, com um objectivo nuclear: o de aumentar tanto o seu enraizamento popular como a sua capacidade de atracção das elites.
Reformar-se, dinamizando um - pelo menos um! - think-tank de referência e diversos blogs temáticos que promovam o conhecimento sério e estimulem o debate aberto e regular dos problemas do país e do mundo, criando para o efeito estruturas leves, dinâmicas, descentralizadas, lusófonas e internacionais.
Reformar-se, revigorando os seus principais valores diferenciadores, sejam eles a marca ideológica de partido da igualdade ou o seu património histórico de partido da liberdade.
Afirmei há uns anos que corríamos o risco de entrar no séc. XXI com um partido talhado nos moldes do séc. XIX. Foi, infelizmente, o que aconteceu. É isso que está na hora de mudar.
Manuel Maria Carrilho, DN
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