Grita Liberdade

"Não há lei mais injusta do que a lei da força"

quarta-feira, julho 04, 2007

Sem palavras

9 de Julho, às 19h00

Vigília em memória de Artur Silva

Em memória de Artur Silva.

Artur José Vieira da Silva foi Professor do Quadro de Nomeação Definitiva da Escola Secundária de Alberto Sampaio (ESAS), em Braga, até ao passado dia 09 de Janeiro de 2007. Na madrugada desse dia, falecia, vítima de prolongada e dolorosa doença. Na frieza destas palavras está, no entanto, uma história que tem de ser partilhada com todos os leitores. Dramática, pungente, sórdida, até! O sofrimento físico e psíquico a que Artur Silva foi sujeito, obriga-nos, em sua memória, a dar testemunho público, deixando para o leitor o juízo final sobre esta história!

Tendo vindo a padecer de doença oncológica grave, que lhe causava grande sofrimento, Artur Silva foi sujeito a um "amigdalectomia esquerda e laringectomia total com esvaziamento ganglionar cervical, funcional, bilateral e traqueostomia permanente" (intervenção cirúrgica que consiste na abertura da traqueia para aliviar uma obstrução e manter as vias respiratórias livres). Como consequência imediata desta intervenção cirúrgica, para além de outras, Artur Silva perdeu total e irremediavelmente, a voz! Resta esclarecer que Artur Silva era professor de Filosofia!

Lutando contra o mal que o minava, requereu à Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) que fosse submetido a Junta Médica (JM) da ADSE. Entretanto, uma JM da Sub-Região de Saúde de Braga reconheceu a gravidade da doença e conferiu a Artur Silva a incapacidade permanente global de 80%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades. Desde Janeiro de 2003, de três em três meses e durante 36 longos meses, compareceu, sucessivamente, às JM da DREN. Esta via sacra durou até Agosto de 2005! Esgotados todos os meios legais que tinha ao seu dispor, Artur Silva viu-se coagido a requerer a aposentação à CGA. Foi marcada JM para finais de Dezembro de 2005, em Braga e determinaram-lhe a apresentação de todos os relatórios médicos em seu poder. Mesmo assim, o resultado desta JM é inconclusivo e exigem-lhe um parecer emitido pelo Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, sobre a patologia que sofria e a sua evolução, documento que Artur Silva, oportunamente, fez chegar à CGA. Inesperadamente, a 18 de Abril de 2006, realizou-se uma JM da CGA, na qual o Artur Silva não esteve presente por não ter sido convocado para o efeito, que decidiu que o interessado não se encontrava absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, tendo a Direcção da CGA despachado em 09 de Maio de 2006 pelo indeferimento do pedido, invocando a lei prevista no Estatuto da Aposentação. Informou ainda que, novo pedido de aposentação, com fundamento de incapacidade, só o poderia fazer decorridos 9 meses da data da JM de 18 de Abril, salvo se houvesse agravamento, devidamente comprovado, do seu estado de saúde.

Em 27 de Setembro de 2006, Artur Silva dirigiu-se ao Director-Geral da CGA numa exposição dramática, de grande revolta, dando conta da injustiça de que estava a ser vitima pela decisão de o considerarem apto para dar aulas de Filosofia quando se encontrava em afonia total e incurável, incapaz, portanto, de exercer as suas funções. Renovou, por fim, o pedido de marcação de nova JM, sem que houvesse a obrigatoriedade de se cumprir com o formalismo de ter de esperar 9 meses para o efeito.

Psicologicamente afectado e debilitado com a sucessão de injustiças de que estava a ser vítima, Artur Silva vê o seu estado de saúde a agravar-se, irremediavelmente! Sucedem-se os internamentos de urgência no Hospital de S. Marcos e acentua-se o sofrimento, cada vez mais difícil de suportar.

No dia 29 de Novembro de 2006, a CGA responde e indefere o pedido de Artur Silva para que se efectue nova JM, fundamentando esta decisão com o facto do pedido não estar devidamente justificado, conforme determina o nº 1 do artº 95, do DL nº 496/72, de 09/12, o Estatuto da Aposentação. Em itálico, informa ainda o interessado que, querendo, tem 10 dias úteis, ao abrigo do Código de Procedimento Administrativo, para dar informações acrescidas ou para consultar o seu processo!

Às 05h30 do dia 09 de Janeiro de 2007, chegava ao fim o calvário de Artur Silva, sucumbindo à dor, ao sofrimento, à doença e à injustiça dos homens e da implacável cegueira da máquina administrativa deste país!

Artur Silva era um homem bom, simples, cumpridor e zeloso dos seus deveres profissionais. Era um cidadão honesto, respeitador e respeitado. Enfrentou com grande coragem a tormenta do destino e foi um exemplo de dignidade perante o vexame a que foi sujeito.

Caros leitores, este relato é exaustivo, mas para terem uma noção exacta do que aconteceu é importante respeitar a cronologia dos factos. Assim ficarão devidamente documentados para poderem elaborar um juízo exacto sobre esta história que acabo de lhes contar! Brevemente, partilharei convosco o que penso de tudo isto. Entretanto, no dia 9 de Julho, às 19h00, seis meses após a sua morte, a ESAS vai organizar uma vigília em memória de Artur Silva. Lá estarei para o recordar, solidário com a saudade e a indignação, a camaradagem e a repulsa.


Miguel Soares

migueldsoares@gmail.com
 
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